sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

BRASIL : OS CEM ANOS DO ARQUITETO OSCAR NIEMEYER .



O MESTRE DAS CURVAS.


O século de vida de Oscar Niemeyer foi uma inteira dedicação ao futuro do Brasil. A ele nossas homenagens. Graças às suas linhas curvas podemos reconhecer que nosso país continua tendo futuro..O Brasil é um país cheio de curvas. As curvas de seus rios. As de seus morros e montanhas: poucos e poucas são pontiagudas. As curvas de seu litoral. Até nossos pinheirais nativos ornam a linha reta de seus troncos com as curvas de seus braços, que fizeram os primeiros jesuítas a chegarem nos planaltos sulinos, chamar as araucárias de “candelabros de Deus”. A retidão das bananeiras e palmeiras é compensada pela curvatura das copas que se dobram e se agitam ao vento. E a mais famosa palmeira do Brasil, tirando a do Gonçalves Dias, foi a chamada de Gogó da Ema, em Alagoas, cujo tronco tinha o formato que o seu nome recordava.

E tem mais: que instrumento tornou-se mais brasileiro do que o violão. Para tocar sanfona ao norte e gaita no sul é preciso saber arquear-lhe o fole. E que tal lembrar do corpo que se curva no ar para se dar a bicicleta em campo, inventada pelo imortal Leônidas? E a folha seca de Didi, o outro imortal? Para completar, e provocar, há um ano atrás foi com um belo gol de bola em curva sobre o goleiro adversário que Adriano Gabiru fez do Internacional o campeão do mundo.

Mas na minha infância, eu vi a urbanidade brasileira se encaixotar um tanto. As casas e edifícios foram perdendo os antigos adornos que suavizavam suas linhas retas. Tudo foi ganhando “funcionalidade”, as janelas foram perdendo as cortinas que se curvavam ao vento como saias agitadas, e em seu lugar foram entrando as persianas de linhas retas e arestas pontiagudas. As curvas das vielas cederam muito espaço para a retidão das avenidas, e o curvo apito dos trens e navios cedeu o lugar à reta estridência das buzinas de automóvel.

Mas em meio a essa retificação das curvas da natureza e da paisagem urbana, um planejador do futuro voltou a liberar as curvas. Foi Oscar Niemeyer e a surpresa de suas arrojadas criações. Quando vi o edifício do Copan, ao chegar em S. Paulo, entendi de golpe a genialidade do homem.E que essa genialidade não era criada no vazio. O que ele transportava para a retilínea modernidade que se construía no país era a suavidade, a beleza, a liberdade das curvas deste país. Nossos corpos, de homens e mulheres, podiam se reconhecer naquelas construções que ele projetava. Entre tantos que só vêem nela a desumanidade, ou a constroem nela, Niemeyer deu curvas e beleza à Brasília.

Numa de suas tantas observações geniais, Sérgio Buarque ressaltou que a urbanização hispânica nas Américas trouxe o ideal renascentista da retificação da natureza, com sua praça central e o alinhamento perpendicular das avenidas. A lusa perpetuou a tradição medieva (que ainda se vê em Trinidad, em Cuba, do lado hispânico), de seguir as curvas e meandros da natureza. Os nossos nativos erguiam ocas curvas para morar. Os africanos trouxeram as curvas de seus atabaques e agogôs. Também, é bom não esquecer, que foi sob a curva dos açoites que construíram a riqueza desse país.

Haverá algo mais paulistano do que as curvas do macarrão e da pizza, que os imigrantes trouxeram? E se os espetos são retos, na alegria do churrasco eles devem se cobrir com as curvas da carne. O copo do bom vinho é curvo, assim como a tigela tradicional em que, ao Norte, se serve o açaí. O Pão de Açúcar é acantilado, mas é curvo, como os antigos pães de açúcar que seguiam para a Europa. O Corcovado é pontiagudo, mas de nome curvo, e se o Cristo em cima lembra a retidão da cruz, ele termina na curva de sua cabeça. Até o Dedo de Deus, como todo dedo, se alça reto mas termina em curva. E o pico das Agulhas Negras não tem esse nome porque termine em ponta: é que na pedra em curva que lhe coroa a altura, há fendas que, vistas de longe, lembram agulhas.

Niemeyer levou o Brasil para a arquitetura nossa e fez delas patrimônio mundial. Ave, Oscar

P. S. - Ah sim, e é bom lembrar, por essas curvaturas misteriosas da história, coube a um comunista projetar, cheia de luz, a mais linda catedral do Brasil, a de Brasília. Eu, que sou ateu, mas não sou praticante, toda a vez que passo por ela ou nela entro me converto mais e mais a uma visão ecumênica do mundo. "

Flávio Aguiar/Carta Maior - Flávio Aguiar é editor-chefe da Carta Maior.


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